Audre Lorde

Audre Lorde

Nascida em Nova Iorque em 1932, Audre Lorde foi uma escritora caribenha-norte americana que teve um papel fundamental no feminismo nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos e trouxe à tona questões que até então não eram vistas, interseccionalizando o feminismo e trazendo atenção à desvalorização das mulheres negras e de baixa renda, uma vez que em seu tempo a luta era centrada em problemas de mulheres brancas e de classe média, além de dar visibilidade a luta LGBT, e com seu trabalho espetacular, ainda tem sua obra estudada e utilizada para base de discussões de lutas sociais.

Na década de 80, Lorde chega a Alemanha e se torna professora na Universidade Livre de Berlim, e se depara com a comunidade negra marginalizada, submetida a todo tipo de violência e abuso e totalmente invisibilizada, e lá ela conquistou espaço e serviu de inspiração para que as mulheres lutassem pelos seus direitos e aprendessem a se reconhecer e a se afirmar, muitas mulheres negras eram (e ainda são) criadas para acreditar que eram inferiores por serem negras, como é o caso de Ika Hügel-Marshall, escritora afro-alemã que foi inspirada pela convivência com Lorde, e assim assumiu sua identidade e entrou para a literatura, lançando um livro chamado Invisible Woman: Growing Up Black in Germany, que retrata justamente essa realidade que acabamos de citar, e como estamos falando da Alemanha nos anos 80, ainda com resquícios da segunda guerra, podemos afirmar que o racismo ainda estava impregnado na sociedade de forma exorbitante, no livro ela fala de como cresceu com sentimento de aversão a si mesma e outros impactos do racismo na sua vida, e como foi a luta até a autoaceitação.

Em seu discurso, Audre sempre pontuava a importância da aceitação da identidade e autoafirmação das mulheres, ela entendia que temos poder e que esse poder é oprimido dentro de nós por vivermos numa sociedade que reprime e nega o feminino, ela nos incentivou a resgatar esse poder, quando ela se afirma “Negra, lésbica, mãe, guerreira e poeta”, ela assume sua identidade completamente, e ainda disse "se eu mesma não me definir, eu seria esmagada nas fantasias de outras pessoas e comida viva”, quantas de nós passamos a vida sendo esmagadas nas fantasias dos outros ? Somos criadas para preencher exectativas dos outros, ser mãe, cuidar da casa, cuidar dos familiares, estudar e se formar em área x ou y, dentre outras exigências, quantos anos levamos para entender que nossa vida é nossa e não do outro ? Audre trouxe essa discussão em sua obra com maestria, nos mostra quem realmente somos e nos leva a refletir sobre quem somos, desprendida de valores da sociedade patriarcal e machista.

Audre Lorde morreu em novembro de 1992, em decorrência de um câncer. Leia abaixo um poema maravilhoso dela:

Uma ladainha pela sobrevivência

Para aquelas de nós que vivem na beirada

encarando os gumes constantes da decisão

crucial e solitária

para aquelas de nós que não podem se dar ao luxo

dos sonhos passageiros da escolha

que amam na soleira vindo e indo

nas horas entre as alvoradas

olhando no íntimo e pra fora

simultaneamente antes e depois

buscando um agora que possa procriar

futuros

como pão na boca de nossas crianças

pra que os sonhos delas não reflitam

a morte dos nossos;

Para aquelas de nós

que foram marcadas pelo medo

como uma linha tênue no meio de nossas testas

aprendendo a ter medo com o leite de nossas mães

pois por essa arma

essa ilusão de alguma segurança vindoura

os marchantes esperavam nos calar

Pra todas nós

este instante e esta glória

Não esperavam que sobrevivêssemos

E quando o sol nasce nós temos medo

ele pode não durar

quando o sol se põe nós temos medo

ele pode não nascer pela manhã

quando estamos de barriga cheia nós temos medo

de indigestão

quando nossos estômagos estão vazios nós temos medo

nós podemos nunca mais comer novamente

quando somos amadas nós temos medo

o amor vai acabar

quando estamos sozinhas nós temos medo

o amor nunca vai voltar

e quando falamos nós temos medo

nossas palavras não serão ouvidas

nem bem-vindas

mas quando estamos em silêncio

nós ainda temos medo

Então é melhor falar

tendo em mente que

não esperavam que sobrevivêssemos

Audre Lorde

Beatriz Abreu